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O tempo que caminha comigo

  Em 15 de julho de 1978, uma senhora saiu da Rua Regente Feijó, 836, no bairro Escola Agrícola, em Blumenau. Caminhou sozinha. Ou quase. Seguiu em direção à Rua Pastor Stutzer, 319, no bairro Bom Retiro. No endereço de destino funcionava, na época, a antiga Maternidade Elisabeth Koehler. Hoje, é um lar de idosos que leva o mesmo nome. Sozinha ela não estava. Carregava no ventre o quarto filho. Aquela era sua sétima gravidez. O pai não a acompanhou. Não por ausência, mas porque precisava vender sua força de trabalho em troca da sobrevivência da família. Os sete quilômetros que separam um ponto do outro foram vencidos a pé. Segundo essas tecnologias modernas de medir distância, a caminhada dura uma hora e trinta minutos. Mas, como a mãe já estava no oitavo mês de gestação, é provável que tenha levado um pouco mais. Não havia muita certeza sobre o destino daquelas duas vidas. O diagnóstico médico era claro. Era uma corrida contra o tempo. O parto precisava ser antecipado para pro...

aos estudantes da 301...

  Decidi ser professor na adolescência. Loucura pouca é bobagem. Influenciado pelos mestres que tive e por essa mania besta de querer mudar o mundo com giz e saliva. Lembro que, quando cursava o ensino médio, havia uma propaganda do governo que dizia: ser professor é manter-se jovem. Piada pronta. Só esqueceram de avisar que a juventude vem junto com olheiras fundas e café requentado. A sala de aula é um mar. Tem dia que é calmaria, tem dia que é ressaca braba, onda grande quebrando na cara. Mas o bom do magistério é isso: sempre dá para remar de novo. A aula de hoje foi um desastre? Amanhã tem outra. Recomeçar faz parte da travessia. Lembro sempre de um desses professores que me inspiraram, que dizia: se não fosse professor, seria um infeliz. Concordo com ele. A sala de aula é meu farol. Dali, enxergo todo o horizonte. É o que me guia em meio à neblina, à tempestade, até encontrar a margem. Uma boa aula cura até tristeza de amor! Sempre disseram que ser professor é uma missã...

O Vírus da docência

    Creio, com toda a convicção, que todas as profissões têm sua importância. Mas, perdoem-me o corporativismo, a minha é mágica. Decidi ser professor ainda na adolescência, tomado pelo encanto dos mestres que cruzaram meu caminho. Porém foi meu professor de sociologia no ensino médio quem me presenteou com o vírus das ciências sociais. Uma peste sem cura, diga-se de passagem. É essa mistura que me fez professor. Aliás, foi dele que ouvi uma das definições mais bonitas sobre o nosso ofício. Um estudante curioso perguntou o que ele seria caso não fosse professor. Ele respondeu “Eu seria infeliz.” Hoje, no último dia letivo de 2024, recebi uma cartinha e chocolates de uma estudante. Não foi a primeira vez que algo assim aconteceu, mas, confesso, essa foi uma das mais emocionantes. Quero acreditar que esse vírus que um dia me foi injetado, lá na adolescência, incubou, cresceu e agora anda por aí, contagiando outras gentes. Talvez, no fundo, a magia da minha profissão es...

A primeira década

  "O senhor quer segurar um ou consegue pegar os dois no colo?", perguntou a médica.  "Quero os dois", respondi, já com os olhos marejados de emoção. Isso foi há dez anos.  A estreia deles nesse negócio chamado vida. Um troço tão fascinante quanto contraditório.  Nesse tempo, eles cresceram gradualmente, moldando suas formas, revelando personalidades e características que mostram como, mesmo sendo gêmeos, podem ser absolutamente únicos.  E, enquanto eles mudavam, eu também me transformei. Naquela manhã, nasceu um pai. Creio que a existência deles me tornou menos egoísta, menos autocentrado e, acima de tudo, me ensinou o significado do amor incondicional.      Assim como naquele dia ensolarado eu não fazia a menor ideia do que o destino traria na década seguinte. Hoje também não sei o que o tempo, esse deus implacável, reserva para eles. Minha torcida que sejam felizes, que a vida e os amores retribuam toda a alegria e o orgulho que despertam em mi...

No Colo de Uma Santa

  Hoje é comemorado o dia de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil. A história conta que, em 1717, pescadores lançaram suas redes no rio Paraíba do Sul, em São Paulo, e encontraram uma imagem de Nossa Senhora, sem a cabeça. Desde então, o mito de Nossa Senhora Aparecida foi se tornando a história de fé de um país inteiro. Ela se fez mãe do Brasil, não só pelos milagres atribuídos à sua intercessão, mas por encarnar a esperança e o acolhimento em um país que carrega em si tantas diversidades e contradições. Doze de outubro é o aniversário da minha mãe. Seu aniversário era comemorado no dia de hoje, mas a data certa de nascimento ela realmente não sabia. Seu registro aconteceu quase uma década depois. Ela não tinha certeza nem mesmo de sua idade. Na juventude era devota de Nossa Senhora Aparecida, deixou de ser quando teve uma experiência mística rezando para a santa. Depois de ouvir uma voz que ela acreditava ser divina, decidiu procurar uma igreja pentecostal. Na igreja,...

Hoje não foi uma aula qualquer

  A docência foi uma escolha que fiz ainda na adolescência. Na juventude, com a compreensão da complexidade da vida em sociedade, essa escolha transformou-se em uma opção política. Em quase uma década e meia de profissão, já tive a oportunidade de experimentar muitas coisas das quais me orgulho. A aula de teoria dos movimentos sociais com a turma de Rio do Sul/SC da licenciatura em Ciências da Religião/FURB será uma delas. Construímos uma roda de conversa com lideranças de movimentos sociais e associações civis da cidade. A atividade, despretensiosa em sua proposta, tinha como objetivo ser uma amostra para os estudantes dos movimentos existentes na cidade e de sua diversidade. No meio da dinâmica, atentei-me ao movimento rico que todos nós estávamos vivendo. À minha frente, uma mulher negra escancarava a indignação com o racismo; uma feminista desfilava sapatos de vítimas do machismo e da violência de gênero; um engenheiro agrônomo alertava que a forma como produzimos alimentos i...

Crônica de desaniversário

O Chapeleiro Maluco, aquele personagem doido de "Alice no País das Maravilhas", tem uma ideia genial: o desaniversário. Segundo ele, a gente pode comemorar qualquer dia que não seja o nosso aniversário. Bacana, né?  Ontem, foi meu 46° aniversário. Se eu parar para pensar, já vivi 16.744 dias. E, olha, esses dias foram cheios de coisas maravilhosas. Tá, talvez eu esteja exagerando um pouco. Nem tudo foi um mar de rosas. Teve muita dificuldade, choro, traições, dor, erro, frustração. Alguns sonhos que ficaram pelo caminho. Nem tudo foi mágico como um livro de fantasia. Mas, apesar disso tudo, também tive muitas alegrias, conquistas e vitórias. Cada dificuldade superada só fez com que os momentos de felicidade se tornassem ainda mais doces. E o melhor de tudo: ao longo dessa jornada, sempre tive amigos e amores incríveis ao meu lado, me dando força e apoio.  Foram gigantes que me colocaram sobre os ombros e literalmente me carregaram. Mesmo nos momentos mais difíceis, sempre...