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O Vírus da docência

    Creio, com toda a convicção, que todas as profissões têm sua importância. Mas, perdoem-me o corporativismo, a minha é mágica. Decidi ser professor ainda na adolescência, tomado pelo encanto dos mestres que cruzaram meu caminho. Porém foi meu professor de sociologia no ensino médio quem me presenteou com o vírus das ciências sociais. Uma peste sem cura, diga-se de passagem. É essa mistura que me fez professor. Aliás, foi dele que ouvi uma das definições mais bonitas sobre o nosso ofício. Um estudante curioso perguntou o que ele seria caso não fosse professor. Ele respondeu “Eu seria infeliz.” Hoje, no último dia letivo de 2024, recebi uma cartinha e chocolates de uma estudante. Não foi a primeira vez que algo assim aconteceu, mas, confesso, essa foi uma das mais emocionantes. Quero acreditar que esse vírus que um dia me foi injetado, lá na adolescência, incubou, cresceu e agora anda por aí, contagiando outras gentes. Talvez, no fundo, a magia da minha profissão es...

A primeira década

  "O senhor quer segurar um ou consegue pegar os dois no colo?", perguntou a médica.  "Quero os dois", respondi, já com os olhos marejados de emoção. Isso foi há dez anos.  A estreia deles nesse negócio chamado vida. Um troço tão fascinante quanto contraditório.  Nesse tempo, eles cresceram gradualmente, moldando suas formas, revelando personalidades e características que mostram como, mesmo sendo gêmeos, podem ser absolutamente únicos.  E, enquanto eles mudavam, eu também me transformei. Naquela manhã, nasceu um pai. Creio que a existência deles me tornou menos egoísta, menos autocentrado e, acima de tudo, me ensinou o significado do amor incondicional.      Assim como naquele dia ensolarado eu não fazia a menor ideia do que o destino traria na década seguinte. Hoje também não sei o que o tempo, esse deus implacável, reserva para eles. Minha torcida que sejam felizes, que a vida e os amores retribuam toda a alegria e o orgulho que despertam em mi...

No Colo de Uma Santa

  Hoje é comemorado o dia de Nossa Senhora Aparecida, a padroeira do Brasil. A história conta que, em 1717, pescadores lançaram suas redes no rio Paraíba do Sul, em São Paulo, e encontraram uma imagem de Nossa Senhora, sem a cabeça. Desde então, o mito de Nossa Senhora Aparecida foi se tornando a história de fé de um país inteiro. Ela se fez mãe do Brasil, não só pelos milagres atribuídos à sua intercessão, mas por encarnar a esperança e o acolhimento em um país que carrega em si tantas diversidades e contradições. Doze de outubro é o aniversário da minha mãe. Seu aniversário era comemorado no dia de hoje, mas a data certa de nascimento ela realmente não sabia. Seu registro aconteceu quase uma década depois. Ela não tinha certeza nem mesmo de sua idade. Na juventude era devota de Nossa Senhora Aparecida, deixou de ser quando teve uma experiência mística rezando para a santa. Depois de ouvir uma voz que ela acreditava ser divina, decidiu procurar uma igreja pentecostal. Na igreja,...

Hoje não foi uma aula qualquer

  A docência foi uma escolha que fiz ainda na adolescência. Na juventude, com a compreensão da complexidade da vida em sociedade, essa escolha transformou-se em uma opção política. Em quase uma década e meia de profissão, já tive a oportunidade de experimentar muitas coisas das quais me orgulho. A aula de teoria dos movimentos sociais com a turma de Rio do Sul/SC da licenciatura em Ciências da Religião/FURB será uma delas. Construímos uma roda de conversa com lideranças de movimentos sociais e associações civis da cidade. A atividade, despretensiosa em sua proposta, tinha como objetivo ser uma amostra para os estudantes dos movimentos existentes na cidade e de sua diversidade. No meio da dinâmica, atentei-me ao movimento rico que todos nós estávamos vivendo. À minha frente, uma mulher negra escancarava a indignação com o racismo; uma feminista desfilava sapatos de vítimas do machismo e da violência de gênero; um engenheiro agrônomo alertava que a forma como produzimos alimentos i...

Crônica de desaniversário

O Chapeleiro Maluco, aquele personagem doido de "Alice no País das Maravilhas", tem uma ideia genial: o desaniversário. Segundo ele, a gente pode comemorar qualquer dia que não seja o nosso aniversário. Bacana, né?  Ontem, foi meu 46° aniversário. Se eu parar para pensar, já vivi 16.744 dias. E, olha, esses dias foram cheios de coisas maravilhosas. Tá, talvez eu esteja exagerando um pouco. Nem tudo foi um mar de rosas. Teve muita dificuldade, choro, traições, dor, erro, frustração. Alguns sonhos que ficaram pelo caminho. Nem tudo foi mágico como um livro de fantasia. Mas, apesar disso tudo, também tive muitas alegrias, conquistas e vitórias. Cada dificuldade superada só fez com que os momentos de felicidade se tornassem ainda mais doces. E o melhor de tudo: ao longo dessa jornada, sempre tive amigos e amores incríveis ao meu lado, me dando força e apoio.  Foram gigantes que me colocaram sobre os ombros e literalmente me carregaram. Mesmo nos momentos mais difíceis, sempre...

Amanhã estarei de greve..

Amanhã vou me juntar à greve do magistério em Santa Catarina convocada pelo SINTE. Não fiz isso na última terça feira porque na última semana estava em Brasília envolvido em um trabalho técnico. As razões por trás dessa greve são profundas e afetam diretamente a nossa profissão e o sistema educacional como um todo. Estamos lutando pela valorização da nossa carreira, exigindo a aplicação do reajuste do piso salarial em todos os níveis e a descompactação da tabela salarial. Além disso, buscamos a revogação integral do confisco de 14% das aposentadorias e a garantia de hora atividade para todos os professores dos anos iniciais e segundos professores, com o objetivo de estender esse direito a todos os profissionais da educação. Ninguém decide aderir a uma greve com alegria. Após mais de uma década dedicada ao ensino, sinto um amargor profundo. Esta greve é um grito de desespero, uma tentativa de despertar a consciência de um governo e uma sociedade que parecem ignorar a importância da ed...

É que é a minha primeira copa

  Com o rosto no ombro do pai, perguntou o que aconteceu.  O Brasil perdeu, respondeu o pai, com uma vontade imensa que aquilo não fosse verdade. A bola chutada por Marquinhos teimosamente bateu contra a trave direita de Livakovic . -  Calma meu filho, é só futebol. Daqui quatro anos tem outra. Quem sabe nós ganhamos.  Em soluços, levantou a cabeça, deixando nos ombros paterno uma roda de lágrimas -  É que é a minha primeira copa, e o Brasil perdeu! - Eu sei meu filho O pai lembrou de um pênalti em 1986. Pensou em contar a história, mas deixou para outro dia. A lição de hoje já foi dura...