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As vítimas da ditadura em Santa Catarina

 


A imprensa nacional informou no dia de ontem, 25 de março, que o Presidente Jair Bolsonaro (PSL) determinou que o Ministério da Defesa faça as "comemorações devidas" pelos 55 anos do golpe militar, que acontecerá no próximo dia 31 de março.  O golpe que derrubou o então Presidente João Goulart, deu início a ditadura militar que governou o país por exatos 21 anos. Neste período, não houve eleição para presidente, o congresso nacional foi fechado, as liberdades individuais foram suspensas e a imprensa censurada. As vozes que levantavam-se contra a ditadura, foram silenciadas pela morte e tortura.

Apesar de ser incoerente, a notícia de que um presidente de um país democrático, que foi eleito pelo voto popular, pelas urnas eletrônicas e sem manipulação, já não surpreende mais. Triste tempos estes! Não surpreende pois como deputado, Jair Bolsonaro, inúmeras vezes elogiou a ditadura militar, saudou torturadores e afirmou que a ditadura tinha matado e torturado pouco.

O posicionamento do agora presidente, não é somente lamentável, pois a Presidência da República é uma instituição, e como tal, deve portar-se sempre em defesa da democracia e das liberdades individuais, como também aponta um desconhecimento histórico e uma irresponsabilidade terrível, frete as verdades históricas do que foi aquele sombrio e sanguinário período na história brasileira.

Dia 31 não há nada para comemorar.  Há vergonha, dor e tortura. Diferente do que o presidente apregoa, a ditadura no Brasil e na América Latina, não se deu por interesses nacionais, ou na defesa da democracia. Foi um Golpe de Estado abertamente apoiado pela CIA, uma Agência de Espionagem Americana especialista em espionagem em golpe de estado e   que recentemente foi visitada pelo atual presidente brasileiro. O golpe de 1964 teve um único objetivo: de garantir a influência do governo americano na região. Deve ser denunciado e não comemorado.

As atrocidades cometidas pela Ditadura Militar de 1964 foram investigados pela Comissão Nacional da Verdade, uma iniciativa do Estado Brasileiro para investigar fatos, causas e consequências de violações de direitos humanos ocorridas em um determinado período da história de um país. Em Santa Catarina, a Comissão Estadual da Verdade (CNV) foi criada pelo governo do Estado no ano de 2013, e contou com representantes dos três poderes, além de representantes da sociedade civil. A comissão apresentou seu relatório em 2014 e fez o levantamento de vítimas que sofreram graves lesões aos direitos humanos durante o período compreendido entre 1964 a 1988. Segundo o relatório, cerca de 697 pessoas foram presas pela ditadura militar no Estado, sendo que, a grande maioria foram prisões ilegais e sequestros.

Há dois casos conhecidos que é a morte do ex-prefeito de Balneário Camboriú, Higino João Pio, sendo assassinado em Florianópolis e o desaparecimento do ex-deputado Paulo Stuart Wright, que desapareceu em São Paulo.

Higino João Pio foi o primeiro prefeito de Balneário Camboriú eleito 1965. Em função de disputas políticas locais e de ter ligações pessoais com o ex-presidente João Goulart, foi acusado de irregularidades administrativas. Foi inocentado pela Câmara Municipal ainda no ano de 1964. Dia 22 de fevereiro de 1969, Higino e outros funcionários da prefeitura foram presos por agentes da Polícia Federal.

 Conduzidos para a Capital, foram interrogados nas dependências da Escola de Aprendizes de Marinheiros de Florianópolis. Após o depoimento, os funcionário foram dispensados.  Higino foi mantido incomunicável. A família foi notificada de seu suicídio no dia 3 de março. As fotos do prefeito morto apresenta ele com os pés no chão, os queixo apoiado em uma vão e os braços dobrados. O Relatório da CNV, com base na análise de dois peritos, concluiu que o primeiro prefeito de Balneário foi assassinado pela ditadura.

Já o ex-deputado Paulo Stuart Wright, nasceu em Joaçaba, era filho de missionários presbiterianos norte-americanos. Casado, pai de dois filhos, era formado em Sociologia. Em 1962 foi eleito deputado estadual. Trabalhava organizando cooperativas de pescadores em todo o Estado de Santa Catarina.  Em 1964 com o Golpe Militar, teve seu mandato cassado. Paulo Stuart Wright tinha 40 anos de idade quando foi sequestrado pelas forças de repressão em São Paulo. Preso no  DOICODI do II Exército em 1973, está desaparecido desde então. A CNV apontou indícios que Paulo Stuart Wright foi torturado até a morte.

 


* Cronica originalmente publicada no dia 26/03/2019 no jornal O Município de Blumenau com o título Ditadura militar de 1964 fez vítimas também em Santa Catarina.  https://omunicipioblumenau.com.br/ditadura-militar-fez-vitimas-tambem-em-santa-catarina/



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